A importância de se prever conflitos e os meios de solução
Muitos imaginam que para constituir uma empresa, em sociedade, basta escolher um sócio, uma atividade, levantar o capital necessário para tocar o negócio e procurar um contador para abertura da empresa por meio do tão conhecido contrato social.
O que poucos sabem é que, sim, para estar regular, a empresa deve estar registrada nos órgãos competentes e ser devidamente constituída por meio do contrato social, que deve conter os requisitos mínimos do art. 997 do Código Civil, que resumidamente exige os dados pessoais dos sócios; denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; o capital social (valor investido no empreendimento, podendo ser moeda corrente nacional ou bens); o valor da quota investida por cada sócio e forma como vai introduzir esta quota (ou a prestação a que se obriga o sócio que vá contribuir apenas com serviços); o responsável ou responsáveis pela administração da sociedade, determinando seus poderes e atribuições; qual a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; e se os sócios respondem, na pessoa física, de forma subsidiária pelas obrigações sociais.
Tais requisitos são o mínimo exigido para a regular constituição de uma sociedade, porém, nem de longe, são suficientes para prever todas as possíveis situações a que se sujeitam os empreendedores nas trincheiras da vida cotidiana.
Vejam que dentre as exigências legais não se encontram inseridas obrigatoriedade de previsão, no contrato social, ou de regras para a sucessão dos sócios, em caso de morte ou incapacidade, ou, ainda, de regras a serem seguidas no caso de divergências de opiniões na condução do negócio, ou mesmo como se proceder no caso da saída, motivada ou imotivada, de um dos sócios, por exemplo.
A falta de tais previsões, no contrato social, pode levar a conflitos entre os sócios que, muitas das vezes, acabam com a dissolução, ou liquidação da empresa, enterrando sonhos e impactando a vida não só dos empreendedores envolvidos, mas de uma coletividade, tais como empregados, fornecedores, clientes, Poder Público, etc.
O grande problema é que algumas destas questões, essenciais à longevidade da sociedade, mas não exigidos por lei no contrato social, são carregados de uma pessoalidade tão grande que muitos sócios relutam em incluir em um contrato social, documento público, arquivado em Junta Comercial e de acesso a qualquer interessado.
Por óbvio que ninguém quer que terceiros fiquem especulando acerca das razões de se incluir em um contrato social uma cláusula que vede, por exemplo, ao sócio contrair matrimônio em um determinado regime de casamento.
E é justamente para casos como este que existe o ACORDO DE SÓCIOS, ou acordo de quotistas, que se trata de documento particular, não acessível a terceiros (se assim o quiserem os sócios) e que tem por objetivo estabelecer regras de convivência e divisão de responsabilidades entre os sócios, além de governança e transparência. Ele serve como um manual de conduta para todos os envolvidos na empresa e pode prever situações as mais diversas (no acordo de sócios, o céu é o limite) como a saída de um sócio, a distribuição de lucros e a tomada de decisões importantes.
Podemos, pois, dizer que, se o Contrato Social é a certidão de nascimento da empresa, as previsões contidas no Acordo de Sócios são as vacinas administradas na sociedade ao longo de sua existência e que permitem seu amadurecimento e longevidade (por que não dizer, perpetuidade).
Por se tratar de documento particular firmado pelos sócios, é comum que no acordo de sócios se encontrem registrados regras e diretrizes que acabam por evidenciar a própria estratégia dos negócios e de gestão, essenciais ao sucesso de qualquer empreendimento.
Não se exige forma ou requisitos para o acordo de sócios, mas sempre tem-se que ter em mente que tudo que for contrário ä lei ou tiver por objetivo fraudá-la, será inválido.
Tendo em vista seu objetivo principal, que é fixar diretrizes para a condução do negócio, além de estabelecer direitos e obrigações para os sócios, é importante que preveja, em seu bojo, algumas questões de suma importância, tais como:
a definição do papel de cada sócio no dia a dia da empresa;
a definição de meios e métodos para sucessão de sócio (substituição por herdeiros, ou apuração dos seus haveres, modo de apuração e pagamento, prazo);
possibilidade ou não de alienação de quotas sociais a terceiros estranhos à sociedade;
preferência para compra de quotas acaso determinado sócio se interesse pela venda;
não concorrência, pelo sócio que se retira, em face da sociedade;
modo como se dará a resolução de conflitos (especialmente importante nos casos de sociedades de apenas dois sócios em cada um possua 50% das quotas sociais e ambos possuam poderes de administração).
Além disso, o acordo pode e deve versar sobre a forma com que as questões corriqueiras da empresa se darão, tais como forma de distribuição dos lucros, vedação do uso do nome da sociedade para fins pessoais dos sócios, questões relativas à confidencialidade do que é tratado na empresa, e direitos sobre propriedade industrial e intelectual.
A quem possa entender que o instrumento em debate seria excesso de preciosismo e que as sociedades. Poderiam e deveriam caminhar sem ter mais esse custo na elaboração profissional do acordo de sócios.
Mas pensemos de forma prática e basta imaginar uma situação muito comum nas empresas, sobretudo familiares, em que um dos sócios pretenda introduzir um filho seu nas rotinas gerenciais dela, com vistas a uma futura sucessão.
É comum que dessa pretensão surjam conflitos, quando um sócio exige um posto mais elevado para um herdeiro seu, e o outro, por exemplo, entenda que na organização já possua empregados que dado a antiguidade e as qualificações, seriam mais indicados para este mesmo posto.
Ainda quanto à sucessão, surgem outras questões relevantes.
Primeiro, temos que acaso não haja expressa previsão no contrato social de que os herdeiros substituirão o sócio incapaz ou falecido, a sucessão se dará na forma do art. 599 e seguintes do CPC, com especial atenção ao art. 606 que diz que em caso de omissão do contrato social, o juiz determinará como critério de apuração de haveres o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tendo por referência a data da saída do sócio, dentre outras medidas.
Ou seja, se o contrato não previr expressamente que os herdeiros assumirão lugar na sociedade, a sociedade será dissolvida parcialmente e parte do sócio será liquidada e paga aos herdeiros. Resumindo, herdeiro não é sócio.
O segundo problema nasce dessa previsão de dissolução parcial da sociedade, pois, em também não havendo deliberação dos sócios sobre a forma e o prazo para pagamento do valor apurado, o mesmo deve ser pago de uma só vez, em dinheiro, dentro do prazo de 90 (noventa) dias a contar da liquidação.
Pensando naquela mesma sociedade de dois sócios, cada qual com 50% das quotas, fica difícil imaginar que ter a obrigação de pagar tal valor de uma só vez, em prazo tão curto, não implicaria em sérias dificuldades para o caixa da empresa e seu regular funcionamento.
Daí a importância de os sócios deliberarem previamente sobre estas e outras possibilidades, estabelecendo regras e parâmetros para resolução das questões surgidas, de forma a proporcionar a sobrevivência da sociedade, fixando mecanismos contratuais que, mesmo diante da total divergência de opiniões entre os sócios e na paridade de quotas sociais de ambos, possam servir de meio de “desempate”, permitindo o fim negociado da pendenga.
Cristalino, portanto, que o acordo de sócios pode ser a chave para a sobrevivência da sociedade durante períodos de conflitos e desentendimentos, pois, por melhor que seja a relação entre os sócios, em algum momento surgirá uma desavença capaz de levar a disputa aos tribunais, o que, dada a experiência, na maioria das vezes, acaba por significar o fim do empreendimento.
Dito isso, é recomendável que toda e qualquer sociedade, independente do tamanho e do ramo de atividade, se socorra de um profissional especializado em direito contratual, societário ou empresarial para ajudar na elaboração e lavratura de um acordo de sócios. Essa pode ser a solução de continuidade dos seus negócios e a base para crescimento sustentável a longo prazo.
Ah, e atualize sempre que preciso o acordo.
Quer saber mais sobre o assunto, entre em contato para maiores informações.
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