Quem convive com as rotinas de transporte rodoviário de cargas já deve ter se deparado com a seguinte situação: transportadores autônomos ou empresas de transporte se recusam a adentrar nos estabelecimentos de destino da carga até que o contratante efetue o pagamento das verbas de estadia devidas em razão da extrapolação do prazo legal para descarregamento do veículo, retendo as cargas em evidente e indiscutível ato de extorsão.
Ocorre que a Lei 11.442/2007 que regula a atividade de transporte rodoviário de carga por conta de terceiro estabelece em seu artigo 11, parágrafo quinto que “o prazo máximo para carga e descarga do Veículo de Transporte Rodoviário de Cargas será de 5 (cinco) horas, contadas da chegada do veículo ao endereço de destino, após o qual será devido ao Transportador Autônomo de Carga - TAC ou à ETC a importância equivalente a R$ 1,38 (um real e trinta e oito centavos) por tonelada/hora ou fração”.
Inobstante a legislação fixe tais parâmetros para apuração dos valores de estadia, a mesma só tem validade acaso o contrato de transporte seja omisso com relação a prazos de carga e descarga e valores de estadia. Neste sentido, existem inúmeras decisões dos mais variados tribunais do país que entendem como válidas condições diversas pactuadas pelas partes por meio do regular contrato de transporte, mesmo que o ajuste preveja valores menores do que o previsto em lei, prestigiando a autonomia de vontade dos contratantes.
Porém, é comum que, ao chegar ao destino, o transportador seja informado que, por diversas razões, terá que esperar por horas, e até dias, até que consiga realizar a descarga do veículo.
Como precisa do veículo circulando para que possa auferir renda, exige de imediato, muitas vezes amparado por associações de classe ou sindicatos, o pagamento das estadias previstas no artigo 11, parágrafo quinto da Lei 11.442/2007, sem o qual se recusa a proceder com o descarregamento do veículo, retendo bens alheios com vistas a forçar o pagamento.
Tal prática, além de não conter qualquer previsão em lei, constitui evidente afronta a toda e qualquer regra de boa-fé contratual. Basta ter em mente que, além de sujeitar o dono da carga e demais participantes da cadeia negocial ao risco de prejuízos e danos advindos da demora no atendimento à convocação para descarregamento, acaba por agravar, para cada hora ou dia de recusa, os valores supostamente devidos a título de estadia.
Obviamente que a retenção dolosa assim será analisada pelo judiciário, que negará ao transportador a pretendida remuneração das estadias acaso o destinatário da carga comprove ter convocado o mesmo para descarga e este, sem motivo, tenha se recusado.
É que a mesma Lei 11.442/2007 estabelece em seu artigo 11, parágrafo nono, que “o embarcador e o destinatário da carga são obrigados a fornecer ao transportador documento hábil a comprovar o horário de chegada do caminhão nas dependências dos respectivos estabelecimentos, sob pena de serem punidos com multa a ser aplicada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, que não excederá a 5% (cinco por cento) do valor da carga”.
Assim, resta evidenciado que ao transportador, em caso de ultrapassado o tempo limite para carga e descarga, cabe o direito de, munido dos documentos hábeis a comprovar o horário de chegada nas dependências do embarcador e destinatário da carga e o horário da efetiva carga ou descarga, utilizar-se dos meios administrativos e judiciais para cobrança das verbas de estadia, devidamente atualizadas.
Ao destinatário ou dono da carga que se ver prejudicado pela retenção dolosa descrita nas linhas acima, cabe a adoção de medidas que visem assegurar a demonstração inequívoca da prática abusiva do transportador e caracterizadoras do exercício arbitrário das próprias razões, lavrando boletim de ocorrência policial dando conta do ocorrido, de modo a lhe assegurar meios de se buscar oportunamente todas as reparações que se fizerem necessárias, sejam de cunho patrimonial ou moral.